quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Tourette é uma doença rara?

Em primeiro lugar, precisamos definir o que é uma doença rara. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), doenças raras são aquelas que afetam até 65 pessoas a cada 100 mil indivíduos. O número exato de doenças raras ainda é desconhecido, mas atualmente são descritas de sete a oito mil doenças na literatura médica, sendo que 80% delas decorrem de fatores genéticos e os outros 20% estão distribuídos em causas ambientais, infecciosas e imunológicas. Aproximadamente 75% das doenças raras afetam crianças.
A síndrome de Tourette, quando se consideram todos os casos, os graves e aqueles inseridos na comunidade, afeta um total de 1% da população. Essa estatística se baseia em estudos feitos em escolas na comunidade, ou seja, considera inclusive aqueles casos que   nunca chega à atenção médica pois não têm gravidade para tanto.
Os casos mais graves são mais raros e as estimativas são de que afetem 1 em cada 4 mil pessoas.
Considerando esses números, não podemos dizer que a ST seja considerada rara, pois é bastante frequente. No entanto, os casos graves sim.
Apesar de ser relativamente frequente, a maioria dos médicos desconhece a síndrome de Tourette. Quando a reconhece, não possui experiência no seu tratamento. Em geral os médicos que reconhecem a ST são neurologistas.
Qual a importância disto tudo?
A maioria das doenças raras são genéticas ou degenerativas ou cursam com uma deficiência mental, sensorial ou física. Doenças que cursam com deficiência garantem o direito aos portadores que não têm renda de pedirem um auxilio financeiro ao Governo (LOAS). Em geral, isso não se aplica à Síndrome de Tourette. A maioria dos casos com ST têm inteligência normal e não apresenta deficiência física. A maior parte dos casos com ST não apresenta impedimento ao trabalho. O maior problema da ST se dá quando os tiques são de difícil controle, mesmo com medicamentos, gerando estranheza às pessoas do ambiente e preconceito. No caso de crianças e adolescentes, bullying. Isso é um problema da sociedade, do preconceito e da dificuldade de lidar com a diferença.
Quando os tiques são graves, tiram a concentração, são dolorosos ou provocam lesões, o tratamento é necessário para reduzir o incômodo associado a eles. Quando são brandos, às vezes nem sequer é necessário tratamento.

Assim, só o fato de ser portador de Tourette não significa que há necessidade de tratamento. Somente os casos mais graves podem chegar a ser incapacitantes, quando aí sim o portador pode pleitear um auxílio do Governo. A maioria dos casos se beneficia de tratamento e pode ter uma vida plena e normal.     

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Complicações no parto e risco de tiques crônicos/Tourette

A causa dos tiques e da síndrome de Tourette ainda é desconhecida. Há evidências de fatores genéticos e ambientais. Os fatores de risco pré e perinatais têm sido investigados. Um estudo que acaba de ser publicado confirma que prematuridade está associada a tiques crônicos.  O Consórcio Internacional de Genética avaliou dados de 586 participantes com Tourette. As análises demonstraram que  parto prematuro e náusea grave na gestação estavam associados a maior risco de tiques crônicos . Outros problemas no parto com complicações neonatais estiveram associadas com presença e maior gravidade de TOC e TDAH.
O que podemos concluir disso é que às vezes não é só a genética que importa, mas as agressões que o feto recebe durante a gestação ou no parto podem ter também influência.
O que fazer?
Não há muito a fazer em relação à genética, mas cuidar da gestação pode reduzir o risco de tiques na prole. Ou seja, engravidar quando estiver saudável, não cometer excessos que possa precipitar um parto prematuro, evitar estresse, cuidar da dieta, evitar medicamentos e drogas durante a gestação, enfim o que estiver ao alcance para garantir que a gestação vá até o fim da maneira mais saudável possível.  
Em relação ao parto, sou favorável ao parto em hospital, acompanhado por médicos. Embora muitas vezes o parto com parteiras, doulas ou enfermeiros em casa seja bem sucedido, a chance de que ocorra uma tragédia em caso de complicação, e a falta de acesso à intervenção adequada de forma rápida, podem repercutir na saúde do bebê e /ou da mãe, quando não ocorre a morte de um ou ambos.   


   

domingo, 7 de agosto de 2016

Medicina Alternativa Funciona?

Depende. Pode funcionar. Denominamos Medicina Alternativa tudo aquilo que não é da Medicina Tradicional, alopática, baseada em evidência científica. Como o conhecimento tende a evoluir, há técnicas que eram consideradas Medicina Alternativa e atualmente já são ensinadas nas Faculdades. Por exemplo, a acupuntura.
Existe um mito de que a medicina alternativa seja mais segura. Por exemplo, muitas pessoas acreditam que os Fitoterápicos por serem “naturais”, não fariam mal. Isso está totalmente equivocado!!!! Toda substância, seja natural ou não, é um corpo estranho ao organismo e pode desencadear reações alérgicas, ou ser mal tolerado pelo fígado e provocar uma hepatite medicamentosa.
Outro conceito que precisa ficar claro é que medicamentos alternativos são medicamentos, são drogas, ou seja, exercem seus efeitos pelos mesmos mecanismos que os remédios tradicionais. Inclusive, muitos remédios atuais tradicionais derivam de plantas que ao longo do tempo foram purificadas. Atualmente, a maioria das drogas é sintetizada em laboratório, mas muitas vezes com base em conhecimentos que vieram de plantas ou outras substancias naturais.
Dito isto, vamos ao que interessa: medicamentos alternativos funcionam? Sim, muitas vezes funcionam e por isso mesmo precisam ser prescritas de acordo com a avaliação cuidadosa de cada paciente. Exames de sangue dirão quais as substancias que faltam ou estão em excesso no seu organismo. Não adianta tomar complexos vitamínicos de forma indiscriminada, se você não precisa deles, não terá benefício.
Os minerais, como sódio, magnésio, potássio, cloro, precisam estar em uma determinada concentração no sangue. Se você toma magnésio demais, pode ter intoxicação. Se toma de menos, pode não ter benefício. Potássio em excesso causa parada cardíaca.
Assim, cuidado com AUTOMEDICAÇÃO, ela pode ser maléfica mesmo quando você toma vitaminas, minerais, remédios tidos como “naturais”.
Por falar em natural, maconha é natural. Isso significa que faz bem? Não! Já o canabidiol, que é extraído da maconha, e livre do THC que causa psicose, pode ser benéfico em muitas doenças. O THC também tem efeito terapêutico e usado em combinação com o cbd torna-se seguro pois o cbd protege contra os efeitos psicoativos do THC. A importância da cannabis medicinal é tratada em outro post aqui no blog.
Cocaína é natural. E aí? É uma droga que causa dependência. Ópio é natural, e a partir dela foi feita a morfina, que é poderosa e têm muita utilidade em casos específicos (dor).
Ou seja, é importante não encarar nada com preconceito. As substâncias, naturais ou não, têm sua utilidade na Medicina e devem ser prescritas por um médico, de acordo com cada caso.


domingo, 10 de julho de 2016

Série de Vídeos sobre Tourette e Afins

Estou programando criar pequenos vídeos de no máximo um minuto abordando os temas que interessam aos portadores de TOC, Tourette, TDAH etc.
Os vídeos podem ser acessados diretamente no Youtube, Canal Ana Hounie (Canal Ana Hounie do Youtube) ou na página do Consultório Ana Hounie (https://www.facebook.com/psiquiatraanahounie/).
Por meio da página do consultório ou pelo e-mail, posso receber sugestões de temas a serem abordados. 

domingo, 29 de maio de 2016

Coisas que Pioram ou Melhoram os Tiques

Algumas coisas fazem com que os tiques piorem e outras, que melhorem. Mas como nada é simples ou fácil, algumas das coisas abaixo relacionadas não se aplicam a alguns casos. Por exemplo, tem gente que não acha que piore dos tiques quando toma café. Então, a lista baixo serve apenas de guia para que cada um se observe e decida como se conduzir no seu dia a dia. Estas coisas são complementares ao tratamento, especialmente em casos mais graves. Em casos brandos estas mudanças de estilo de vida  podem ser suficientes.

Coisas que em geral pioram

1- estimulantes: café, chá preto, chá verde, guaraná, Coca-Cola (tudo o que contiver cafeína) e remédios com estimulantes (metilfenidato, por ex), alguns antidepressivos, alguns vasoconstrictores nasais.
2- Cansaço, estresse, dormir mal


Coisas que em geral melhoram
1- exercício físicos
2- dormir bem
3- relaxamento
4- acupuntura
5- algumas ervas da medicina chinesa

quinta-feira, 26 de maio de 2016

Livro sobre Síndrome de Tourette

O Livro está agora no link abaixo, da loja virtual da ARTMED/Grupo A
 
 
 
 
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Dez coisas sobre o Tratamento da Síndrome de Tourette que todos devem ter em mente e são difíceis de aceitar

Algumas coisas difíceis de aceitar para quem tem ST e/ou seus familiares:
1- melhora de 100% é raro
2- A resposta aos tiques é individual, cada pessoa responde e/ou tolera as medicações de formas diferentes; só testando pra saber
3- As medicações precisam de tempo para fazer efeito e esse também é variável, ou seja, pelo menos 1 a 2 meses antes de trocar a estratégia
4- as doses também são individualizadas. Enquanto um pode melhorar com 2 mg outro só melhora com 50 mg. 
5- Muitas vezes é necessária combinação de medicamentos
6- tiques oscilam ao longo do tempo, com e sem medicamentos
7- às vezes é necessário psicoterapia para o paciente E seus familiares
8- Os casos que precisam de cirurgia são a minoria 
9 - técnicas alternativas e/ou experimentais não são de primeira linha, como o próprio nome indica
10- Paciência e um médico experiente no acompanhamento é fundamental

Comentário sobre o canabidiol em Tourette publicado na Polbr

Foi publicada no DOU a RDC da ANVISA 66/2016 regulamentando a prescrição e importação de canabidiol:
7) fica permitida, excepcionalmente, a importação de produtos que possuam as substâncias canabidiol e/ou tetrahidrocannabinol (THC), quando realizada por pessoa física, para uso próprio, para tratamento de saúde, mediante prescrição médica, aplicando-se os mesmos requisitos estabelecidos pela Resolução da Diretoria Colegiada - RDC nº 17, de 6 de maio de 2015.
A RDC 17/2015 já havia permitido que produtos contendo canabidiol e THC fossem importados em situações excepcionais.  
Em seguida, o Conselho Federal de Medicina, por entender que não há ainda estudos científicos válidos amparando o uso do canabidiol em diversas doenças, manifestou-se publicamente dizendo que tentará reverter essa medida da ANVISA.
Comentarei aqui o estado atual da pesquisa com canabidiol (CBD) e THC no tratamento da síndrome de Tourette (ST).
A cannabis sativa é conhecida como maconha ou marijuana, no espanhol.  Possui vários compostos químicos, psicoativos ou não, chamados canabinoides. Estes atuam no SNC e no sistema imunológico por meio de receptores específicos, CB1 (no SNC) e CB2 (em células do sistema imunológico). O THC é o canabinoide com maior ação psicoativa  e que torna a maconha atrativa como droga recreativa. O dronabinol (versão sintética do THC) e a nabilona são usados como coadjuvantes no tratamento do câncer em alguns países, para combate de dor e náuseas. O canabidiol não é psicoativo. Outros canabidióis descritos são a anandamida e o araquinodoilglicerol.
No Canadá produz-se uma medicação chamada Sativex® que contém um extrato de cannabis com THC e CBD na mesma proporção (1:1), chamadas  nabiximóis.    
A RDC de 2015 permitia a importação de produtos com canabidiol e THC desde que a concentração de canabidiol fosse maior que a de THC. Este inciso foi revogado pela RDC de 2016, ou seja, a importação de produtos que contenham THC em concentração igual ou maior que a de canabidiol estaria permitida.
Foram revogados também os artigos quinto e sexto da RDC 17/2015, transcritos abaixo:
Art. 5º Não poderá ser importada a droga vegetal da planta Cannabis sp ou suas partes, mesmo após processo de estabilização e secagem, ou na sua forma rasurada, triturada ou pulverizada.
Art. 6º Não poderão ser importados cosméticos, produtos fumígenos, produtos para a saúde ou alimentos que possuam na sua formulação o Canabidiol em associação com outros canabinóides e/ou a planta citada no Art. 5 º.  
Assim, teoricamente, a própria maconha e quaisquer produtos dela derivados podem ser importados. Além disso, como as diversas subespécies de cannabis apresentam proporções variadas de THC e CBD, algumas com maior poder recreativo por ter mais THC que CBD e outras com maior poder “medicinal”  por conter mais CBD, a resolução ampliaria a variedade de plantas que poderiam ser importadas.     
Esses detalhes são importantes, pois os estudos em ST incluem tanto o THC como o canabidiol.
Em 1988, dois psiquiatras relataram os casos de três pacientes com ST que diziam melhorar dos tiques com a maconha fumada. Os primeiros e, basicamente, os principais estudos de tratamento da ST com canabinoides foram e continuam sendo feitos por uma pesquisadora alemã chamada Kirsten Müller-Vahl, na Faculdade de Medicina de Hanôver. Os primeiros relatos de caso surgiram em 1999 e um estudo aleatorizado e cruzado com placebo foi publicado em 2002, relatando o uso de uma dose única de Delta-9-THC  em 12 pacientes com ST. No ano seguinte publicaram os resultados de um estudo de seis semanas de uso de THC (doses até 10mg) em 24 pacientes com ST. Todos os relatos até o momento são de melhora  nos tiques. A taxa de efeitos adversos é pequena e eles são brandos e transitórios.
A falta de mais estudos deve-se ao fato da maconha ser ilegal, mesmo para projetos de pesquisas acadêmicas, e somente mais recentemente terem aprovado estudos científicos com o Sativex importado do Canadá para a Alemanha.  
Os poucos dados disponíveis sobre o uso de maconha medicinal em Tourette refratária, já que os estudos ainda estão em andamento e ainda não foram publicados, são promissores. Em julho de 2015, no Primeiro Congresso Mundial sobre síndrome de Tourette, em Londres, a pesquisadora alemã apresentou os dados até aquele momento do uso do dronabinol ou da maconha fumada em pacientes com ST. Segundo sua apresentação, a utilização da maconha fumada promove um início mais rápido de ação sobre os tiques, mas de curta duração. O medicamento, no entanto, leva mais tempo para fazer efeito, mas tem uma duração maior, de algumas horas. O THC deve ser administrado de duas a três vezes por dia.     
Nos pacientes com ST refratária, ou seja, naqueles que não responderam ao tratamento com as diversas drogas das várias classes farmacêuticas disponíveis, testar o tratamento com os naxibimóis pode ser uma alternativa. A RDC 17/2015 não permitia o uso dos compostos testados na ST, visto que até o momento não há nada publicado sobre o uso de canabidiol isolado no seu tratamento e sim apenas o THC isolado ou a combinação em proporções iguais com o canabidiol.   Já na RDC 66/2016, o artigo que determinava a concentração dos dois compostos, foi revogado.
Assim, produtos que contém canabidiol e THC e que já tenham sido testados no tratamento dos tiques podem em tese ser importados para pacientes adultos refratários. Ainda faltam mais estudos controlados com os diversos tipos de canabinoides para estabelecer sua segurança nas diversas faixas etárias. Ressalta-se o alto custo da medicação e o risco de efeitos adversos graves. Como o THC é psicoativo e psicodisléptico, há risco de que provoque alucinações e/ou desencadeie surtos psicóticos em predispostos. Desse modo não deve ser usado em crianças ou adolescentes e em adultos com histórico familiar de quadros psicóticos.  O risco de efeitos psiquiátricos adversos é estimado em 1%.
O Sativex® está disponível na forma de spray para uso orobucal e o Marinol® está disponível em comprimidos.
Sativex_Fails_Drug_Trial 

marinol

 
Referências
Lista de substâncias sujeitas a controle especial. O canabidiol está listado no número 22, junto aos medicamentos que necessitam de receita C1 (branca) em duas vias.  (https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=317687)